Palestra de Ramos Horta na inauguração da Universidade Católica

Palestra de Ramos Horta na inauguração da Universidade Católica

Sua Excelência Reverendíssima estimado Arcebispo Metropolita de Díli, Dom Virgílio do Carmo da Silva SDB, colocou sobre a minha empobrecida mente o privilégio de proferir a Oração De Sapiência neste dia em que se inaugura a Universidade Católica Timorense (UCT) São João Paulo II.

Com todo o respeito saúdo o Magnífico Reitor Da UTC São João Paulo II, decanos e professores, pessoal docente e Administrativo.

Não tenho os dotes poéticos e de prosa do Maun Bot Xanana, ou Fernando Sylvan, Rui Cinatti, Borja da Costa, Luís Cardoso (Takas), Inácio Moura, este que "exilado" em Darwin diariamente canta em sonetos a magia de Timor-Leste.

Assumo a humildade que deve caraterizar todos os atos académicos, na dúvida e na sede de mais querer saber e

Saudo as mais altas personalidades do Estado, o Senhor Primeiro Ministro, Membros do Governo, Deputados, os amados membros da Conferência Episcopal na pessoa do seu Guia Dom Norberto AMARAL, Bispo da Diocese de Maliana, Líderes das outras confissões religiosas, membros da Sociedade, Corpo Diplomático, familiares e amigos presentes neste auditório e muitos mais que estão acompanhando este evento histórico pelos meios audio-visuais.

Curvo-me perante os grandes artífices da Nação, Nicolau Lobato e seu sucessor o Maun Bot Xanana Gusmão, este que herdou a missão impossível de fazer renascer a resistência Timorense das cinzas das derrotas militares e políticas da década de oitenta, nos conduziu até a vitória em 1999, e nos guiou no processo doloroso da reconciliação nacional, condição incontornável para uma paz duradoura entre Timorenses, e na reconciliação com o nosso vizinho, a grande Nação Indonésia.

Curvo-me ante a memória do primeiro Presidente da ASDT/FRETILIN e da RDTL o saudoso Mestre Francisco Xavier AMARAL.

Curvo-me perante a geração de jovens da década de noventa que transformou a natureza da luta, levou-a para cidades e campuses na Indonésia e decisivamente contribuiu para a vitória política e diplomática.

Curvo-me perante o Max, Max Stalh. Quantas vezes ele me ouvia chama-lo Mad Max, este homem inglês, sueco, francês, que adoptou Timor-Leste, e o povo o adotou como seu. Dentro de dias as suas cinzas chegam a Díli, devolvidas ao povo de Timor-Leste que ele amou e serviu.

Curvo-me perante a memória dos meus irmãos, Mariazinha, Nuno e Gui, sacrificados no altar da nobre luta.

Excelências Reverendíssimas,

Excelências.

Que me seja permitida nesta ocasião partilhar convosco um dos documentos mais importantes dos últimos anos, a Declaração Sobre Fraternidade Humana da autoria de Sua Santidade Papa Francisco e o Gran Iman da Mesquita de Cairo, Prof. Dr. Ahmed Al-Tayyeb.

O documento resultou da visita em 2019 de Papa Francisco aos Emiratos Árabes, primeira visita de um Chefe da Igreja Católica Mundial a Península Árabe. Nessa ocasião prosseguindo a convicção e compromisso das duas  autoridades máximas das duas maiores religiões do mundo, adoptaram a Declaração Sobre Fraternidade Humana que pretende inspirar, aproximar, construir pontes de entendimento mútuo e de fraternidade entre comunidades, e nações, com vista a assegurar uma paz verdadeira, duradoura.

No seguimento da Declaração foi criado o Prêmio Zayed da Fraternidade Humana a ser atribuída anualmente a pessoas ou instituições que tenham sido propostas e confirmadas como tendo contribuído decisivamente para a realização da visão e objetivos de concórdia e fraternidade humanas. E  criou-se então um Júri internacional composto de cinco personalidades. A actual composição do Júri é a seguinte:

-   Eu próprio, único da Ásia. 

  • Ex presidente de Niger, Mahamadou Issoufou,  2020 Ibrahim Prize for Achievement in African Leadership.
  • Ex Vice Presidente of South Africa e ex UN Under-Secretary-General, Phumzile Mlambo-Ngcuka; 
  • Under-secretary of the Migrants and Refugees Section of the Holy See Cardinal Michael Czerny;
  • President of the Aladdin Project Leah Pisar

O Jury é assistido por um Secretariado sediado em Abu Dhabi presidido pelo Juiz Mohamed Abdelsalam.

Nos dias 6, 7 e 8 de Outubro o Júri iniciou os seus trabalhos em Roma, no dia 6 reunimo-nos com Papa Francisco e no dia 7 reunimo-nos com o Grand Iman.

O desejo de Sua Santidade e do Gran Iman  - que a Declaração sobre Fraternidade Humana seja introduzida e estudada em todas as escolas do mundo, de todas as crenças, culturas e etnias.

Excelências,

Permitam-me uma viagem ao passado. Aos 6-7 anos de idade fui levado para a Missão de Soibada, integrando a turma de ABC, pré- primário, e o primeiro livro escolar com o qual iniciei a interminável caminhada dos conhecimentos chamava-se o Gato das Botas. O autor se chamava Janeiro Acabado, nome incomum.

Naquela idade confesso que não conhecia uma única palavra de Português, sendo que o Tétum era a língua falada em casa e a nossa Santa Mãe NATALINA, muitas vezes Herói, era multi língua, falava tétum, idate, habu, kemak, e mais tarde aprendeu Bahasa Indonésio. Foi pelas mãos do bom Mestre Carmo e com muita "mandioca seca" que aprendi o Português.

Naqueles anos idos as viagens de Barique ou Laklubar até Soibada eram a cavalo. Para Manatuto eram dois dias a cavalo,  entre trote e galope, pernoitávamos uma noite em Kribas debaixo de uma árvore, continuando a jornada as quatro de manhã, pela planície de Kribas e dali seguindo sempre pela ribeira até Manatuto onde chegávamos ao fim do dia.

Tínhamos muito medo do "Durhu'i" o qual segundo o melhor contador de histórias, o nosso Mano Antônio, era meio humano, meio cavalo, veloz como o vento. Única proteção eficaz contra o temível "Durhu'i" eram os bambuais os quais havia muito. Felizmente nunca fomos atacados por esse temível meio cavalo, meio homem.

Chegados a Manatuto pernoitávamos na "Guarda Ilihéu", uma palhota abandonada.

A mais recente visita a Soibada foi há cerca de 2 anos, viagem de peregrinação ao passado. Com o coração apertado percorri os edifícios degradados pelo tempo impiedoso, as salas de aulas onde aprendemos as primeiras palavras, o dormitório, refeitório, a cozinha onde o Luís Maudoli e o João Mitarere cozinhavam as nossas refeições diárias de milho e mais milho. As vezes era mandioca, folhas amargas de papaia, e o raríssimo arroz ao Domingo.

Irmãos e irmãs, éramos entregues à generosa família Liurai Raimundo do Reino de Samoro que nos cuidou com carinho. Não contive as lágrimas, pensando naqueles que me insuflaram vida e me iniciaram na longa jornada de conhecimentos. Pensei nos pais, o mano Antônio, Liurai Raimundo, nos Pes. Januário Coelho da Silva e Carlos Rocha Pereira e nas Mães Madres Canossianas, nos mestres - Egídio, Carmo, Fernando, Pereira, Narciso, César, Sebastião, Antônio Braz, o Luís Maudoli e o João Mitarere. Depois rezei em Aitara.

Certa vez aos 4 anos de idade em Laklubar, deitado no meio da estrada que passava em frente da casa, vi chegar uma camioneta, nunca tinha visto uma. Na época em todo o TIMOR haveria uma dúzia de camionetas de comerciantes chineses. Havia o ajudante, timorense pé descalço, analfabeto, com uma missão importante, saltar da camioneta mal ela parava para colocar o calço. Outra sua tarefa indispensável era fazer arrancar o motor com muitas voltas da manivela. Eu olhava para aquele ajudante, cheio de admiração. Queria ser como ele, poder viajar naquela camioneta para muitos lugares. Eu não tinha noção do espaço além de Laklubar, o meu mundo era ali. Mas imaginava viajar como ajudante do chofer.

Essa caminhada iniciada na década de cinquenta em Laklubar, Barike, Soibada, Atsabe e Laga levou-me depois para mundos muito diferentes,  mais de 100 países, muitas centenas de cidades, a caminhada maior que culminou em 2002.

Ao toque de meia noite de 19 de Maio de 2002 chegamos ao fim de uma jornada, ao Timor-Leste livre. A outra iria começar. O preço dessa liberdade eram as incontáveis vidas perdidas, almas e corações feridos, as cinzas do vandalismo e destruição por queles que não souberam perder. A mente, o coração, a fé, o espírito triunfaram sobre as armas, sobre o ódio.

A UCT nasce pela mão do amado Arcebispo Virgílio do Carmo da Silva, e através dele de toda a Igreja Timorense, concretização de um sonho iniciado nos anos 90, com o saudoso Bispo D. Basílio do Nascimento, continuado pelo saudoso D. Alberto Ricardo da Silva, que lançou as primeiras pedras. E inaugurar a UCT João Paulo II é a melhor homenagem que lhes poderíamos prestar.

Registo uma referência especial a Dom Carlos Filipe Ximenes Belo, aos saudosos Dom Jaime Garcia Goulart e Dom Martinho da Costa Lopes, os grandes inesquecíveis de Timor-Leste, da Igreja. Presto homenagem a todos que nos anos mais difíceis da nossa história, padres e freiras deste país, foram o refúgio de todas as esperanças dos perseguidos.

A identidade secular de Timor-Leste deve ao proselitismo eclesiástico católico muito da sua originalidade e génese diferenciada no comum de uma vizinhança determinada e fraterna.

Trata-se do legado da história, mas que marca e marcou a contemporaneidade, à qual estão gratos os timorenses e, como tal, os dirigentes políticos, culturais e religiosos, deste povo.

Diz-se que não fosse a presença de dominicanos e outras ordens religiosas nos séculos XVII, XVIII e XIX, Portugal não teria sido capaz de manter a sua presença em Timor. A Igreja católica soube transformar-se na Igreja do povo de Timor-Leste: e neste processo criar uma relação simbiótica com a nossa própria identidade.

Nos momentos mais críticos da nossa história, a Igreja de Timor-Leste posicionou-se ao lado do povo. Para além da missão missionária, na educação e na saúde, a Igreja católica foi santuário  de refúgio para o povo e desempenhou um papel importante de apoio físico, moral e espiritual em tempo de grande sofrimento e desesperança. Os timorenses encontraram na Igreja um dos raros refúgios para a sua identidade.

Neste sentido, a Igreja Católica assumiu um papel decisivo na defesa, preservação e construção da cultura e identidade timorense. Foi um santuário de resistência cultural e política.

Para isto contribuíram vários fatores: primeiro, a igreja católica timorense foi capaz de ancorar o catolicismo nas crenças animistas, que desta forma se tornaram inseparáveis; depois, transformou o tétum numa língua litúrgica, permitindo que, a par do português, fosse assumido como uma língua de resistência. Importante também foi a ligação institucional direta a Roma, evitando-se a sua subordinação a Conferência Episcopal Indonésia.

O Premio Nobel da Paz em conjunto com D. Carlos Ximenes Belo era "um tributo para toda a Igreja, padres corajosos, freiras, trabalhadores leigos e o povo de Timor-Leste". Assim o disse no meu discurso Nobel há 25 anos.

A Constituição da República afirma expressamente, no capítulo dos direitos fundamentais, que "o Estado reconhece e valoriza a participação da Igreja Católica no processo de Libertação Nacional de Timor-Leste" (Artigo 11º).

Sempre considerei que o governo tinha, em primeiro lugar, de ter um frutuoso e bom relacionamento com a Igreja, reconhecendo-lhe uma experiência histórica singular, aderente à profunda espiritualidade do povo. E que a Igreja Católica Timorense teria de assumir um papel maior na educação e formação do povo, no desenvolvimento humano e na luta contra a pobreza.

Quando tomei posse como primeiro-ministro, em 2006, chamei a Igreja Católica para uma vez mais, em parceria com o nosso jovem Estado, nos ajudar a sair da crise, a sarar as feridas, a melhor servirmos o povo, em todas as vertentes, a social, educacional, cultural, espiritual e moral.

Nessa altura, propus que fosse realizada uma "parceria nacional entre o Estado e a Igreja Católica, para desenvolver o setor da educação no país".

Referi: "Cada estado tem a sua realidade e o povo de Timor-Leste é maioritariamente católico, respeitando as outras religiões, mas o Estado tem o dever de tratar de maneira diferente o que é diferente", enquanto prioridade nacional e "poder alcançar o desenvolvimento".

A Igreja não podia então ser deixada de fora desse desígnio nacional: era "preciso fazer um forte investimento imediato na Educação para podermos ter resultados ao longo do tempo".

Por isso mesmo sublinhei nesse apelo para "um maior envolvimento da Igreja Católica na Educação" que não colidisse e não colide com a liberdade religiosa e a separação entre o Estado e a Igreja. Na verdade, "Respeitamos todas as religiões e em Timor-Leste não temos problemas entre católicos, protestantes e muçulmanos".

Enfim, vi finalmente concretizado um desígnio - uma universidade católica, exigida na tradição do reconhecimento do papel da crença de Cristo havida na luta pela identidade deste povo, que as instituições eclesiásticas católicas ampararam, promoveram, defenderam e acompanharam na vitória.

A universidade constitui-se no lugar de alcance do saber constituído superior e, a partir desta plataforma inteligível, fazer-nos avançar pelo desconhecido ainda, reticulando supostos, teoremas, lógicas e protocolos da investigação leal ao bem, verdadeiro e belo deste mundo. Mundo este onde nos surpreendemos a nós próprios e, por isso nos interrogamos sobre a origem e destino de seres existentes sob um desígnio que nos cumpre e temos de procurar por nós próprios na interajuda de mestres e alunos, essência universitária.

Na verdade, o melhor pensamento da universidade dá-no-la como uma união fraternal de professores e estudantes, em ordem a consolidação e descoberta das respostas sobre o que a ignorância das soluções nos apresenta como misterioso, mas que podem ser desvendadas, no amor do saber cada vez mais aprofundado e harmonioso.

Todas as universidades se regem por estes tópicos e, por isso, se constituem num testamento social sólido, de necessidade do sistema de ensino livre e, só assim mesmo de proveito para o povo e para cada um de nós, cidadãos.

Sim, por que nos preocupa respondermos à pergunta sobre de onde vimos, quem somos e para onde vamos, tão imperfeita quanto resulta desta mesma fórmula, mas que nunca deixa de nos acompanhar vida fora.

A lei constitucional e todas as diretivas gerais do governo têm garantido a liberdade de aprender e ensinar. Liberdades fundamentais, por que correspondem a direitos que emergem da universalidade cidadã e, por isso mesmo, estão gravados nas declarações dos direitos humanos, com culminância, na declaração universal dos direitos e deveres humanos, proclamada pela ONU, após a tão tremenda negação da fraternidade e da paz que foi a tragédia e massacres da segunda guerra mundial.

Na contribuição do conhecimento compendiado no longo e tradicional percurso das universidades católicas de tão variadas nações, países e comunidades, vizinhas no amor pelo saber, está um tesouro incontornável para a experiência da cúpula de qualquer ensino superior, mais em particular, o cume do ensino universitário de Timor-Leste.

Com efeito, quer nas ciências, quer nas humanidades, a universidade católica timorense honrará todos os contributos que têm sido dados à humanidade pelos sábios.

À sabedoria não prejudica a confessionalidade tolerante da universidade católica, por que é essa mesma tolerância que deriva do cuidado católico não só pelos fiéis, como sobretudo por "todos os homens de boa vontade".

Não esqueçamos a mensagem do Natal que se aproxima, gravada no cântico de homenagem a Emanuel, acabado de nascer e dirigido como a luz da noite desse dia magnifico de uma inaugural "paz na terra".

Os supostos do pensamento católico apontam-nos para a construção social, económica e quotidiana de um ambiente deste alcance de excelência humana, presente e não apenas desejável, construído hora a hora, no pensamento e ação do mundo.

Logo, temos de concluir que o sistema de ensino timorense recebe um contributo de aperfeiçoamento, bem necessário e capacitado ao diálogo com todos os outros dispositivos de saber, universitários ou religiosos.

Herdeira do trivium (lógica, gramática, retórica)  e quadrivium (aritmética, astronomia, música, geometria)

medievais, segundo a história do ocidente, todo o percurso intelectual da universidade católica se arrumou na universalidade.

Timor-Leste atravessou várias severas experiências, do domínio colonial á ocupação estrangeira, até à sua conquista do Estado – Nação já neste século XXI. A educação sempre foi caracterizada pelas políticas exercidas durante o período colonial, como também da ocupação indonésia em quase 400 anos de estabelecimento no espaço timorense.

E vários períodos deixaram rastos na estrutura educativa do país. Timor-Leste localizado no sudeste asiático, situa-se entre dois gigantescos países, a Austrália e a Indonésia, deve continuar a promover as bases da sua identidade própria, identidade formada, por legado da história no cruzamento de culturas, que deu raízes ao dinamismo da fé e da língua, onde hoje em dia reconhecemos o país mais maioritariamente católico da Ásia.

O futuro de Timor-Leste está bem refletido neste espaço de universalidade. Por isso a educação superior em Timor-Leste deve tornar-se firmado na consciência comum e partindo da comunhão histórica, e das realidades que este povo tem vivido e lutado até hoje para conquistar, como um salutar e salvífico objetivo: libertação da Pátria e libertação do Povo.

Por outro lado é na instituição de uma universidade católica que está e se situa o concreto respeito pela liberdade religiosa, aqui onde se trata de o Estado aceitar no ordenamento interno, em conjugação com todo este ideal, as ferramentas mesmas, jurídicas e praticas, de o cumprir.

Hoje, num bom pensamento de rigor lógico podemos dar como adquirido que a laicidade rege, no fundamental, a demanda do conhecimento, da ciência e das tecnologias, tudo ordenado ao bem-estar e ao progresso dos povos, principalmente na luta contra a pobreza.

Ora, é justamente nesse plano humanístico que a reflexão sobre a oportunidade da abertura dos cursos de uma universidade católica nos surge como motivo congratulatório e preenchimento de uma necessidade cultural premente. A tolerância na diversidade do pensamento, proposta, numa abordagem histórica rigorosa, em primeiro lugar, pelos teólogos de Roma, na saída do Renascimento, hoje, não sofre negativa ou contestação.

Todavia, o ensino confessional é neste clima de hegemonia da tolerância tido como elemento importante da estrutura do pensamento laico em si e por si. E, marcado há muito pelo pensamento contemporâneo e livre, o saber da universidade católica, subordina-se ao método da ciência e é ensinado, por isso mesmo, como foco da própria condição religiosa.

As filosofias contemporâneas da ciência não enjeitam as propostas dos sábios formados nas universidades católicas e basta para termos presente um exemplo frisante citar o Reverendo Padre Jesuíta Teilhard de Chardin, antropólogo de referência. É aqui, nessa disciplina do saber compendiado que escolho – a antropologia – que, em minha opinião, reside a melhor lógica e importância de nos alegrarmos por esta génese emergente dos cursos da universidade católica de Timor.

Ser incompleto à nascença e, como todos sabemos, até ao fim da vida, o homo sapiens, sapiens tem de ser educado, educação do pensamento e ação ao longo da vida que lhe advém da escola, quer informal, quer formal e institucionalizada, como neste último caso é a universidade. Ao longo da vida, o homem interroga-se sobre o seu destino e razão da presença que tem no universo.

É daqui que não pode ser erradicado o sentimento e as preocupações religiosas.

Estas organizam-se em torno de teologias fundadoras de supostos doutrinais, que orientam a prática social boa e honesta. Somos seres humanos e como tal temos de passar por um longo período de educação, primeiro, elementar e necessária a podermos comunicar-nos, depois, cada vez mais complexa e radical, para que possamos trazer para todos os outros a experiência que nós próprios adquirimos, ao pensarmos o mundo universal.

Mas não desconhecemos que para progredirmos na aperceção da vida, dos outros e do destino, temos de passar pela universidade, por ser, aí, mais imediato adquirir as ferramentas do pensamento válido, eficaz e útil em benefício daqueles que vivem connosco e podem, ou necessitam de compreender-nos.

E, assim, poderem ser por nós aceites, e aceitar-nos, como iguais em desígnios e projetos. A universidade, nos seus cursos, é, pois, a sede deste propósito de sabendo o mundo, nos sabermos e compreendermos em paz, harmonia e tolerância. É o campo mais avançado das ideias e das práticas sobre o que nós somos – humanidade.

Temos, portanto, na universidade, nos cursos ministrados pela universidade, o campo de manobra necessário à consolidação nacional e dos povos, na fraternidade. Por conseguinte, é de felicidade e alegria completas que me vêm, hoje, neste ato inaugural dos cursos de uma nova universidade.

Só podemos estar agradecidos pela iniciativa e pelo legado que nos é colocado nas mãos, nossas mãos, porque, para além do mais, a Universidade Católica Timorense, não nasceu do nada, mas é portadora de uma tradição incontornável de solidez e lealdade intelectual, trazida pela aura de um ensino, marcado por tantos autores e sábios, ao longo das costas do mar, dos continentes e tempos da história.

Naturalmente que a universidade católica, com toda a tradição do saber da igreja, ao longo dos séculos de perenidade e cuidado não só pelos fiéis, mas por todos "os homens de boa vontade", está neste registo do bem e do belo. Bem, belo e verdadeiro, que são as moradas éticas imprescindíveis da paz cívica, política e singular de todos nós, postos no hábito desse planeta. Planeta a bem dizer incomensurável, mas minúsculo no contexto do firmamento.

Por isso, foco necessário do religar-nos ao mistério da existência.

Não poderemos negar que um empreendimento intelectual de saber sôfrego e humanista pode e deve caber, como cabe nos cursos agora inaugurados, na universidade católica, amiga do universal, sem fronteiras, a quem oferece um credo que pretende derivar de uma mensagem de milénios, sobre a igualdade radical de todos nós, seres individuais, nações, povos, nesta aventura de cada um, vivo, para completude de um destino, sem o qual não teríamos sentido, ou não saberíamos pensar-nos.

Excelências, 

Excelências Reverendíssimas, 

ilustres convidados

A julgarmos pelo número de instituições de ensino superior existentes no nosso País, atrever-me-ia dizer que TL não tem déficit de instituições acadêmicas superiores. Em menos de duas décadas, apesar dos grandes desafios com os quais deparamos simultaneamente em muitas frentes,  elites Timorenses erigiram instituições universitárias e outras de nível superior com recursos humanos qualificados, experiência acumulada e com precários recursos financeiros.

Mas pergunto com preocupação, temos priorizado as áreas de ciências e tecnologia, economia, planeamento, administração pública e políticas públicas, comércio e indústria, gestão, e tecnologia de informação? Temos priorizado o ensino técnico-profissional de onde saem técnicos de IT, eletricistas, mecânicos de automóveis e de máquinas pesadas, técnicos de frio, de reparação de TV, canalização de água, carpinteiros e pedreiros?

Acredito que os responsáveis das muitas instituições secundárias e superiores do nosso País prometem e garantem para a nossa juventude, líderes e gestores do futuro, a máxima excelência acadêmica pois bem o sabem que a sobrevivência da nossa meia ilha de menos de 1.500.000 habitantes nesta região extremamente dinâmica, de imensas oportunidades, mas também muito competitiva, dependerá da qualidade de recursos humanos saídos dessas instituições que terão que antecipar as inovações tecnológicas que nos surpreendem num ritmo vertiginoso.

Durante o seu primeiro mandato (2007-2012) como Primeiro Ministro Maun Bot Xanana lançou o Fundo de Desenvolvimento do Capital Humano priorizando bolsas de estudo nas áreas de Ciência e Tecnologia.  Por essa via e pelas bolsas de estudo concedidas por países amigos, centenas de jovens se formarem nas melhores Universidades da região e de outros países, nomeadamente, Austrália, Cuba, NZ, Fiji, Brazil, China, Coreia do Sul, Japão, Portugal, EUA, para colmatar uma grande lacuna no nosso País. Mas constatamos que regressados ao País muitos destes formados nas melhores universidades não encontraram colocação devida. Desperdício de quadros num país sem recursos humanos suficientes.

Lideres políticos e gestores tem que abrir os seus horizontes, as suas mentes, expandir os seus conhecimentos e absorver as experiências, boas e más, de outros países.

A China da nova era inaugurada por Deng Xiaoping em 1978 investiu decididamente na formação superior técnica e científica, enviou dezenas de milhares de jovens para as melhores Universidades Europeias, Americanas e Canadianas, e levaram a ciência absorvida para o seu país e contribuíram para o milagre da transformação da China rural pobre na China digital do XXI.

Em apenas três décadas a China transitou de um país predominantemente agrícola trabalhada por legiões de camponeses pobres para uma fábrica global assente na sua vasta mão de obra barata e altamente produtiva que produziu tudo para todo o mundo; acumulou surpluses com quase todos os parceiros comerciais, acumulou triliões de dólares e tornou-se o maior detentor mundial do US$. Depois do período de produção em massa, a China transitou para a alta tecnologia, tornou-se pioneira em tecnologias 5G e Inteligência Artificial, em equipamento médico, energias renováveis, produção de carros elétricos.

Em vez de viajarmos pelo mundo em classe executiva, alojados em hotéis 5 estrelas alegadamente para realizar "estudos comparativos", esbanjando milhões de dólares, esses milhões deveriam ser investidos em programas de apoio as nossas instituições educativas para aquisição de bibliotecas, equipamentos de ensaios e em bolsas de estudo para estudantes de famílias pobres.

Em vez de atribuirmos privilégios escandalosos com Prados novos cada cinco anos para deputados e governantes agravado com o inevitável esbanjamento em combustível e manutenção dessas frotas de Kareta do Estado; em vez de se permitir a escandalosa prática de recrutamento de centena de ditos "assessores" que auferem vencimentos superiores aos permitidos pela Lei, disponibilizemos mais apoio a programas de combate à extrema pobreza e sub-nutrição infantil, de apoio em alimentação fortalecida, vestuário, artigos de higiene e assistência médica regular  a jovens e estudantes.

O nosso País é muito jovem, a soberania plena restaurada há menos de duas décadas, erigida sobre os escombros de total destruição de 1999, quando ao toque de meia noite de 20 de Maio de 2002, a Administração Transitória da ONU arreou a bandeira azul e em seu lugar a bandeira multicolor da RDTL ensopada de sangue de nossos heróis foi içada por um pelotão de combatentes da Pátria.

Resgatamos a nossa soberania perdida logo a seguir à heróica Declaração Unilateral de Independência no dia 28 de Novembro de 1975 constituindo a República Democrática de Timor-Leste, fruto do heroísmo dos nossos melhores, homens e mulheres, cujos corps, sangue e espíritos tornaram este solo profundamente sagrado.

Excelências,

Façamos um balanço rápido destes quase 20 anos da restauração da independência. Procuro sempre ser objectivo, equilibrado, e julgo poder ser imparcial, 

estando fora dos decisórios nacionais há 10 anos e sem ter estado na oposição, sem ter aderido a um partido político.

Tenho presente os dados estatísticos de 1975 quando a esperança de vida de um Timorese era 36.17 anos. Este número tristemente muito baixo desceu para 33,78 no ano 1978. A partir de 1980 oscilou de 34,26 até 50 anos.

Em 1999 último ano das duas décadas da administração Indonésia a esperança média de vida do Timorense era 58 anos, sendo 59.55 para mulheres, 56.58 para homens.

Em menos de duas décadas desde a restauração da independência, a esperança média de vida de um Timorense registou uma melhoria dramática, passando para 69.26 anos para homens, e 71.38 para mulheres, um aumento médio de 12 anos, equiparado com as medias de Camboja, acima de Myanmar cuja esperança média de vida é 66 anos. A nível global Timor-Leste está na posição 135 entre 192 países.

Em 1974 tínhamos um Licenciado, o Engenheiro Silvicultor Mário V. Carrascalão, o qual veio a ser o pioneiro da educação superior em TL. No ano da restauração da independência contavam-se 21 médicos Timorenses e um Doutorado. Hoje temos mais de 1.100 médicos formados em Cuba e em TL, além de dezenas de outros formados na Indonésia, Filipinas, Portugal, Fiji, Austrália e Nepal.

Ainda tenho gravadas na memória, comprovadas com imagens, o TL de 1999, quando a nossa cidade Dili estava em ruínas, com cheiro a queimado, uma cidade sem pássaros; as aves fugidas ao fogo e ao fumo do Setembro Negro não tinham regressado.

TIMOR-LESTE não tem falta de críticos nacionais e internacionais, os ditos "experts", jornalistas e acadêmicos que tem um prazer mórbido de julgarem sempre muito negativamente este País de menos de 20 anos de idade, nascido de um parto extremamente difícil. Pois já vi gráficos partilhados no FB colocando TL lado a lado com países membros da ASEAN, comparando o TL recém nascido com outros países com 50 anos de existência, de estabilidade e paz não interrompidas.

Dos escombros de 1999 passaram-se duas décadas de sarar feridas do corpo e da alma da família Timorense,  reconciliar a Nação dividida, perdoarmos e reconciliarmos com os nossos vizinhos, recolhermos o lixo das centenas de toneladas de metais queimados, centenas de milhares de blocos de cimento das casas dinamitadas e encineradas, recompor as inúmeras pequenas propriedades de animais domésticos saqueadas.

O Estado de Direito que existia apenas no nosso imaginário finalmente viu-se estampado numa Constituição votada por uma grande maioria parlamentar saída das eleições para  a Constituinte.

Optamos pelo semi-presidencialismo de modelo português e apesar das cautelas no que concerne os poderes do Chefe de Estado, estas cautelas não foram suficientes para evitar atropelos flagrantes.

Não esqueçamos que actos políticos e decisões judiciais tornados factos consumados pela via da promulgação presidencial e pela politização do poder judicial serão invocados como precedentes por outros actores políticos nalgum futuro. Precedentes que se impõe num momento poderão ser invocados amanhã por outros detentores de poder. 

Excelências Reverendíssimas, 

Excelências,

A próxima década será de grandes desafios, riscos,  perigos, e de oportunidades. A dolarização da ordem econômica mundial está sendo questionada com a emergência de uma superpotência econômica e comercial que importa e exporta globalmente, que domina a digitalização e IA, que faz circular globalmente triliões de dólares. Vamos continuar com o US$ como nossa moeda oficial?

Timor-Leste e todos os países pobres e de economias emergentes serão colhidos nessa dinâmica mundial.  Países que investem fortemente numa educação orientada para este novo ordenamento mundial, dominado pela digitalização e IA, recolherão benefícios e vantagens.

Líderes terão que saber identificar os grandes desafios, riscos e oportunidades. Líderes têm que saber definir as grandes prioridades nacionais, and stay focused!

Uma das lições de sucessos está na cuidadosa identificação dos desafios e definição clara das prioridades e concentrar na realização dessas prioridades com um forte team técnico/político. Sendo que o calendário é de 365 dias e de 24 horas/dia, e tendo em consideração constrangimentos orçamentais e imprevistos, surpresas da natureza e limites temporais das democracia, etc, nunca é aconselhável querer fazer demasiado em pouco tempo. Reunir um governo de políticos e gestores com base em critérios sólidos de formação técnico-profissional e experiência prática, com track-record é outra chave de sucesso.

Entretanto e ao mesmo tempo, no imediato...algumas questões pairam no ar...vamos consolidar a nossa democracia e instituições democráticas que sofreram abusos gravosos por detentores dos órgãos de soberania? Ou vamos continuar a assistir a fragilização do Estado de Direito e ao assalto por crime organizado constituídos em falsos partidos políticos, infiltrados nas instituições do Estado?

Vamos premiar a meritocracia ou vamos franquear as portas a mediocridade e comercialização da governação? A escandalosa proliferação de "assessores" sem formação acadêmica e experiência profissional adequadas, incentivada pelas elites políticas que transacionam valores para assegurar uma maioria parlamentar e permite o saque do Estado, constituem uma ameaça séria ao Estado de Direito.

Vamos consolidar a paz, uma paz real para todos, ou vamos regressar ao passado de conflitos e violência?

Vamos intensificar a igualdade do gênero, corrigir os desequilíbrios sociais, eliminar a extrema pobreza e a subnutrição infantil, promover programas de apoio às crianças e juventude ou vamos assistir ao acentuar das injustiças sociais, corrupção, abuso de poder, esbanjamento dos cofres do Estado, aumento da pobreza e conflitos?

Vamos priorizar o desenvolvimento rural, a pequena e média agricultura e com ela a segurança alimentar, nutrição, água potável e saneamento, uma saúde para todos, (eliminação da TB e dengue), educação de qualidade desde o pré primário? Estes objectivos deveriam ser elevados para o topo da agenda nacional e concretizados com investimento adequado e liderança sectoriais de qualidade, com monitoramento permanente.

A adesão de TL a ASEAN oferece-nos grandes oportunidades e as vantagens óbvias  de uma economia regional de mais de 600 milhões de pessoas com um PIB conjunto de quase $3 triliões de dólares. Mas  progressos deriva de lideranças legítimas, competentes, corajosas, com visão e abertura ao mundo, com conhecimentos sólidos da economia, tudo enquadrado num plano estratégico de desenvolvimento moderadamente ambicioso, com políticas claras, que encorajam o investimento nacional e estrangeiro.

Os actuais recursos não renováveis vão ter que continuar a ser utilizados para financiar a nossa transição para economia verde. Seria um desplante show de hipocrisia se países industrializados que arruinaram a Natureza desde o início da primeira Revolução Industrial, os responsáveis primeiros  pelas alterações climáticas, hoje se assumem em arautos de uma nova ordem econômica mundial assente em energia limpa, renovável, e sem assumirem garantias absolutas de apoio concreto em mitigação e adaptação para os países em vias de desenvolvimento.

O nosso país está num ranking miserável do Banco Mundial no que concerne a celeridade na aprovação de investimentos. Enquanto em países como Singapura e Vietnam o processo de A a Z desde a entrada e tramitação dos documentos até a sua aprovação demora  horas ou poucos dias, em TL as instituições do Estado são as obstaculizadoras, travão, dos investimentos.

Continuando esse marasmo que se arrasta há 20 anos, a  alternativa será Timor-Leste ser relegado para o estatuto miserável de um "basket case", apropriado por crime organizado, de violência, e classificado de Estado falhado.

Mas não tem que ser assim, não pode ser assim. O Timor-Leste que nasceu dos sonhos e das vidas perdidas pode almejar chegar ao cume do Monte RAMELAU e olhando em redor, poderíamos vemos um país próspero, um povo feliz, a paz vive em cada lar e nas escolas, nos bairros e nas ruas, em que as crianças e mulheres vivem sem medos e traumas, em que a violência doméstica, a violência contra crianças, estas dádivas de Deus, há muito desapareceram do quotidiano de cada família timorense.

O Timor-Leste da próxima década seria coberta de florestas e pássaros, os nossos mares livres de predadores e lixo, uma Natureza livre de plásticos e outros lixos não degradáveis, a economia assente em energia renovável, limpa. 

A ser assim, os nossos heróis e mártires repousarão em paz. E o povo viverá feliz. 

Fim

Raimundos Oki
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